2 de mar. de 2012

Cem Anos de Rosa

"É um texto  muito especial para mim pois escrevi com uma amiga, Camila Paiffer. Espero que consigam entende-lo. São dois sentimentos, e duas pessoas ligadas em um texto só. Mergulhem-se"
Cá estou eu, pela primeira vez, depois de muito tempo, dizendo olá. Não que tu saibas quem sou, afinal, esse é apenas um detalhe mórbido. Você era apenas um daqueles projetos inacabados, sem forma ou fôrma; um papel rabiscado, sonho rasurado, sujo e vago. Eu a olhava quando me vestia na pele de criança arteira, com o joelho ralado e o pé descalço; quase a derrapar no asfalto, escorregar com as gotas de chuva e brincar de ser adulta com a minha boneca de pano. Eu sabia que almejava buscar por você, uma mulher que nada sabia e tudo vivia; nada lia e tudo da utopia absorvia. Na fantasia dos olhos que enxergavam, nos lábios que possuíam armas, abraços e beijos; nos pés e mãos que batalhavam, arranhavam-se, rasgavam-se. Pus como almejo ser uma rosa, apreciar o sol toda manhã e não perder o equilíbrio quando alguém de má fé viesse me empurrar para o abismo. Não tropecei, mulher. Suportei a dor de ser traída, ofertei um sorriso e não dei a minha lágrima. Exceto que, talvez, no cair da noite eu tenha lacrimejado um tanto. Eu possuía muitas lágrimas doídas, inúmeras rosas esculpidas como vitral. Lacrimejei baixinho, num sussurro, uma prece de silêncio que fizera a alma sangrar. Prometi cem anos de rosas e vivenciei mil anos de solidão. Jurei que não fraquejaria diante o tormento e no primeiro degrau eu recuei, com medo. Eu era uma criança que desejava ouvir o canto do sabiá, testemunhar a existência do curupira e me perder com ele na floresta. Desejava navegar no oceano e encontrar uma sereia, fosse entre algas marinhas ou no navio que afundou. Queria flutuar pelos mares com o auxílio de um golfinho, fazer do oceano o meu castelo. Sempre fui apaixonada por tudo o que possuía semelhança com gota a gota, lágrima a lágrima. Eu quase sou um oceano, tão infinito quanto, de alma tão bonita, com a essência tão profunda e úmida. Sou um poço negro, escondo-me na noite, mas não ando solitária! Não, não. Eu levo uma vela, a chama do fogo me aquece. Observava-te desde outrora, a época da criança que se tornava, pouco a pouco, mocinha. Nas páginas de um livreto qualquer tu guardavas os teus maiores segredos, tão bem ocultos que ninguém enxergava; até você se mantinha cega, quiçá. E estava tão visível naquele rubor que se espalhava na maçã de seu rosto, no olhar distante quando fazia do banco imundo de folhas amareladas da praça o seu assento, e lá ficava entre suspiros. Você sorria para o vazio, meneava a cabeça e cantarolava uma canção. Eu gostava de aprender tanto quanto tu gostas hoje de observar outrem, num palco que você dança como bailarina, sapateando nos cacos e beijando o verso e a poesia.
Moça, você diz que ama, mas foge quando sente a dor no peito arder. Você jura que aprecia o choro, mas põe a mão no ouvido para que o soluço seja calado. Você enche a boca ao dizer que os espinhos das flores não lhe machucam, e que vê beleza neles, todavia, se esconde quando vê o quão é afiado. Você promete voar de nuvem em nuvem, mas se agarra o quanto puder ao chão quando quero lhe levar como borboleta. Você jura a todos que não teme o temporal e que gosta do som ecoado pelos trovões, mas se encolhe debaixo do cobertor quando ouve o primeiro sinal da tempestade. E eu sou esse fragmento de ti, enquanto tu queres ser nuvem eu sou o que te afinca no chão como raiz. Enquanto tu queres amar eu lhe recordo de todos os cacos deturpados. Sou essa ponte que lhe bloqueia a travessia, essa assassina de amores. E quem vai te salvar? Quem vai te acolher nos braços? Quem vai ser a paz da tua guerra, quando eu me for? Ele, certamente. O homem que lhe apunhalou na véspera e lhe socorre com beijos no fim. Ah, sim, nós sonhamos! Prometo cem anos de rosas se você sobreviver aos mil séculos de solidão. Você acha que pode suportar, Senhora? Quem muito padeceu na morte, como eu, como você, hoje sabe como abrir a janela e apreciar o raio de sol que ilumina a manhã. Somos assim; uníssono, singular. Você tem a glória nos dedos, na voz, canta com a alma e escuta com os olhos. Tu és aquela mulher grandiosa que eu sonhei ser um dia.
Eras tu a mulher que possuía sonhos doídos em sua crua experiência que não vingava, não vingou. Sonhava com o cavaleiro de beijos almejantes. Mulher que chorou e se resgatou das trevas inúmeras vezes. No mar raso se afogava, pássaro que obtivera nas asas uma bagagem pesada. Fomos crianças e um dia quiséramos crescer, e enfim corremos a direção do futuro para regressar ao anseio em ser pequena primavera, mais uma vez. Exigiram-nos evoluir depressa! Despejaram tantas feridas ao flagelado coração, que, indefeso, não pôde quedar intacto. Tu eras mulher que provou o errado e trancou-se no quarto como uma defesa. Despedaçaram os sonhos teus e depois os despejaram ao vento, como se fossem uma brisa qualquer que vagueava sem importância. Fantasiou o amanhã, fantasiou a mulher que não conseguira ser. Perdeu sonhos para a tristeza e ele; aquele que ousou sussurrar amor. Pôs no papel o desejo em ser amada, amante, mas renegou quando a ofereceram. E foi-se com o ar que flutuou e ao céu entregou meu desespero. Foi-se, curou-se. Eras tu a mulher guerreira que combatia os monstros que lhe atormentavam. Que não pôs desistência mesmo no fim. Senhora de um olhar límpido e lágrimas de vasta saudade. Moça… eu fui criança como tu. E ainda resta-me semelhante doçura, encanto, pois a noite tem lá a sua beleza suntuosa. Você se tornará uma artista de lutas, dançando no fogo e valsando conforme o passo seguinte da vida. Não provou todos os sabores e não beijou muitas bocas, mas a única que lhe apeteceu e tremulou o último fio de cabelo. Trocou graúdos toques, entre um arrepio que vinha da essência. Aperto de mão efêmero, abraçando e se desvencilhando, trôpega no salto com os pés mal cuidados. Hoje tu te orgulhas de cada lágrima, cada gosto doce ou salgado, quiçá azedo, provado desde então. E eu corro em seu encalço, na mesma calçada, buscando ser o fragmento que falta a esta sombra de futuro que me arranca à véspera.
Para a mulher que almejo ser um dia; por enquanto, me vou entre algas marinhas, mergulhando em busca da sereia e perdida na floresta com o curupira.

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